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Afinal, o que é discurso de ódio e quais os impactos que já podemos detectar na Educação?

Segundo Cristina Godoy Bernardo de Oliveira, professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP, em um artigo publicado em fevereiro de 2022, “Ele (discurso de ódio) sempre está muito vinculado à utilização de palavras. Não é só uma violência física, mas virtual e verbal que tende a insultar, intimidar ou assediar pessoas em virtude da sua raça, cor, etnicidade e assim por diante. Mesmo sendo veiculado por palavra, existe a potencialidade ou a capacidade de instigar violência, o ódio ou discriminação contra as pessoas”. É importante fazer a clara diferenciação entre este tipo de discurso e a liberdade de expressão. 

Ainda não há legislação específica no Brasil para criminalizar a prática do discurso de ódio, o que dificulta a punição das pessoas que utilizam este recurso em redes sociais e outros espaços de interação. Entretanto, segundo Cíntia Rosa Pereira de Lima, colega de Cristina e também associada à USP, “existem consequências na esfera cível para quem pratica esse tipo de violência, já que o Código Civil garante a inviolabilidade à intimidade, à honra e a imagem”.

Considero estas informações muito importantes para educadores e gestores que atuam na Educação pois neste momento estamos vivenciando um processo político no qual o discurso de ódio é presente tanto em discursos de políticos como na sociedade em geral, com base na defesa de ideologias partidárias e manipulações de processos eleitorais, bem como em Fake news e grupos negacionistas. Certamente esta situação gera impactos nos alunos, familiares e professores.  

Quais são os impactos que já podemos identificar com clareza? 

Danos materiais e morais individuais e coletivos já são diariamente relatados como consequências do discurso de ódio. Professores têm relatado o aumento da violência verbal e física entre seus alunos, dos alunos para com os educadores e até mesmo entre educadores, em todos os postos de ocupação (professores, coordenadores e gestores), denunciando aumento na intolerância e de práticas discriminatórias em diversos âmbitos. E podemos verificar que isso se confirma em pesquisas científicas – https://novaescola.org.br/conteudo/21354/como-o-aumento-da-violencia-nas-escolas-afeta-o-professor (set/2022). O discurso de ódio pode começar na Internet e terminar na ação de grupos que chegam a incendiar patrimônios públicos e matar pessoas. 

Como lidar com esta ameaça e suas consequências na prática?

Nas escolas, sendo locais de discussões de temas relevantes, pode-se pensar em abordar a diferença entre discurso de ódio e liberdade de expressão, retomando os direitos fundamentais do ser humano, mostrando na prática quando a liberdade de expressão pode ir se transformando em discurso de ódio. Cristina Godoy Bernardo de Oliveira afirma em outro artigo publicado em fevereiro de 2022:

“O Marco Civil da Internet, que quando a gente fala em redes sociais é um marco legislativo importante, traz, dentro dos princípios do uso da internet no Brasil, a liberdade de expressão. Mas traz também no mesmo artigo 3º a proteção à intimidade, à inviolabilidade da honra, da imagem, à proteção de dados pessoais. Inclusive, a própria Lei Geral de Proteção de Dados, quando traz os fundamentos da proteção de dados no Brasil, traz tanto a liberdade de expressão quanto a proteção à inviolabilidade da honra e da imagem”. 

Além disso, Cristina alerta sobre o cerceamento que o discurso de ódio causa na liberdade de expressão dos grupos atacados, uma vez que eles ficam intimidados de se expressar por medo de sofrer novas violências. Para ela, os adjetivos utilizados em falas é que caracterizam o discurso de ódio:

“Os próprios adjetivos já têm um caráter de valor, então se está imputando adjetivo significa que você já está ultrapassando esse limite, falando o que a pessoa é. Dependendo do conteúdo desses adjetivos, a gente já começa a verificar a configuração como discurso de ódio”.

O diretor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP, Nuno Coelho, que participa no mesmo artigo de Cristina, afirma:

“O exercício do direito de se expressar não pode se dar de forma atentatória aos fundamentos da ordem pública, da ordem constitucional, aos princípios constitutivos da nossa convivência, como o princípio da cidadania, que outorga a todos nós o direito de participarmos igualmente com palavras e iniciativas na construção do comum, o princípio da dignidade da pessoa humana e, especialmente, o princípio do pluralismo político. A nossa ordem pública se constitui a partir da diferença e não pode ser considerado lícito o ato atentatório contra os fundamentos da ordem constitucional”.

Em artigo da Nova Escola já citado acima, uma educadora de escola pública relata que decidiram trabalhar mais intensamente as habilidades socioemocionais dos alunos para enfrentar a violência. A inclusão de projetos voltados para o combate à violência e para apoiar alunos em defasagem de aprendizagem também são citados no artigo.

Portanto, é importante que a comunidade escolar não subestime o discurso de ódio, além de outros fatores como guerras, violência doméstica, pobreza e desigualdades sociais, e alerte as pessoas sobre as práticas que podem ajudar a minimizar atitudes de violência em alunos, professores e demais profissionais da escola. 

 

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Patrícia Narvaes

Atuou como professora e orientadora nos projetos de inclusão de tecnologias da comunicação na área da educação pela Escola do Futuro da USP. É praticante de Comunicação Não-Violenta (CNV) desde 2013, onde descobriu o poder de uma escuta profunda e como isso pode afetar a comunicação e melhorar as relações humanas, promovendo conexão e acolhimento. Em 2020, conheceu o Thinking Environment ou “Ambiente para Pensar”, abordagem criada pela Nancy Kline, que permite criar um ambiente de escuta apreciativo, levando as pessoas a removerem bloqueios e praticarem o pensamento independente.
Hoje, Patrícia é Facilitadora de Reuniões e Coach em Thinking Environment, certificada pela Time To Think, além de ser uma das organizadoras do projeto Escuta Viva, onde oferece práticas de escuta, cursos, palestras e atendimentos focados na comunicação e nas relações